domingo, 3 de fevereiro de 2008

Microsoft e Yahoo!

No primeiro dia de fevereiro, quinta-feira passada, a Microsoft fez uma "oferta hostil" (1) para comprar a Yahoo!. Foi o maior valor já oferecido pela compra de uma empresa de Tecnologia, US$ 44.6 bilhões. Segundo alguns analistas do setor, foi um claro movimento "desesperado" da Microsoft na direção de tentar recuperar terreno perdido no cyber espaço. Mas o que mais pode estar por trás deste movimento?


Parte 1: A Internet

A Microsoft, em seus dias de ouro do Office, não deu atenção para a Internet. A Internet cresceu, outras empresas ganharam espaço e a Microsoft foi ficando para trás. Volta e meia a Microsoft é obrigada a "pagar uma taxa" para tentar evitar que alguma outra empresa cresça muito neste território e a deixe completamente de fora do jogo.

Uma das empresas que ganhou mais destaque neste campo foi a Google. Fundada em 1998 por dois alunos de doutorado da Universidade de Stanford (Larry Page e Sergey Brin), viu seu valor crescer vertiginosamente ano após ano. Nasceu de uma idéia simples, a de tentar navegar de forma clara e segura por entre a enormidade de informações disponíveis na Internet que, já naquela época, assustava. Hoje é quase um sinônimo para Internet, e entrou para o seleto grupo de empresas cujo nome passou a representar a classe, como Gillette, Coca-cola... quando se quer fazer uma pesquisa sobre qualquer coisa na Internet, é comum se dizer "google it", como quem diz, use o google para achar isso...

A Google é, hoje, o maior problema da Microsoft. Nasceu como uma empresa com um sofisticado instrumento de busca na Web e cresceu seus tentáculos para diversas áreas distintas. E olha que ela não estava sozinha nesse espaço. Outras empresas, como a Altavista, a MSN e a própria Yahoo! também lançaram ferramentas de busca. No entanto, hoje, mais de 60% do mercado é da Google... dois terços do mercado. e a Microsoft tem menos de 10%.

A Google cresceu junto com a Internet. No início dos tempos, na época da "bolha da Internet", por exemplo, ainda havia muita dúvida se a Internet poderia mesmo vir a ser um ambiente para negócios de verdade... Muito se discutiu sobre isto na época. Muitas empresas nasceram e morreram em pouco tempo. Mas a Internet acabou sendo uma nova fronteira e quem conseguiu sobreviver se deu bem, muito bem.

Pois acontece que um dos principais negócios da Internet é a venda de anúncios. Anunciar na Web pode ser o melhor ou o pior investimento feito por uma empresa. E como tentar garantir que seja um bom investimento? Novamente vem a Google, com um sofisticado mecanismo para anunciantes na Web. E, aí, tem muito dinheiro envolvido.

AdSense (para conteúdo e para pesquisa) é o nome que a Google deu para um mecanismo que indexa automaticamente o conteúdo das páginas da Internet e apresenta anúncios teoricamente mais relevantes para o navegador.


Parte 2: Software as a Serivce

Para complicar um pouco mais a já complicada vida da Microsoft, o crescimento da Internet, sustentado por um crescimento sem igual das tecnologias que a suportam, criou um ambiente novo, com inúmeras novas possibilidades de negócio. A que vem chamando mais a atenção da indústria hoje é a que foi batizada de “Software as a Service” (SaaS).

Em linhas gerais, “Saas” significa a possibilidade de termos o benefício de um determinado software sem comprar a licença de uso do mesmo. Por exemplo, quantas vezes não quisemos editar uma fotografia qualquer e não o fizemos por que não tinhamos uma licença do Adobe Photoshop ou de algum outro software similar? Que tal se pudessemos “alugar” o Photoshop por 4 horas para fazer o trabalho que queremos?

Para uma empresa, os benefícios do conceito SaaS podem ser ainda muito maiores. Quando uma empresa qualquer deseja ter um determinado serviço, ou funcionalidade, normalmente ela adquire um software para isso. O problema é que para que o software possa ser usado, ele precisa de máquinas e pessoas para operá-lo e administrá-lo. E isso custa muito, muito dinheiro mesmo.

A idéia de SaaS não é nova. O ponto é que ela está se tornando viável exatamente devido ao crescimento da tecnologia que suporta a Internet. Para que uma empresa possa obter os benefícios de um determinado software, é fundamental que ele esteja disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana (2) e isto não era possível até a bem pouco tempo.

O que está por trás de tudo isso? A Internet mais uma vez... e a Microsoft, novamente, está muito mal posicionada. Para recuperar rapidamente este terreno, só tem uma forma... comprar terreno... comprar uma empresa que esteja bem posicionada e que possa rapidamente permitir que a Microsoft faça parte deste clube.

Parte 3: A oportunidade

O namoro é antigo e no caso da Yahoo! vem desde 2006... é claro que a Microsoft já vem namorando uma ou outra empresa além da Yahoo! também. Só que agora apareceu um bom momento. Com a crise das hipotécas subprime no mercado norteamericano e seu principal desdobramento, os mega prejuízos dos grandes bancos, o mercado de ações reagiu muito mal. As ações despencaram e o valor de mercado das empresas diminuiu sensivelmente. Algumas empresas chegaram a perder quase 40% de valor em poucas semanas. A Google viu seu valor de mercado passar de pouco mais de US$ 230 Bilhões para cerca de US$ 150 Bilhões em poucos meses. A Yahoo! também teve queda forte, valendo hoje aproximadamente US$ 40 Bilhões. Uma excelente oportunidade para quem tem dinheiro em caxa. E a Microsoft tem muito dinheiro em caixa. Juntou a fome com a vontade de comer (3).

Para completar, a Yahoo! vinha apresentando problemas em seus resultados já há alguns anos. Desde 2004 tem apresentado dificuldades em recuperar performance. As primeiras conversas da Microsoft com a Yahoo!, em 2006, não foram a frente. Em 2007 mais uma tentativa, recusada pela Yahoo!, que acreditava em recuperar-se durante 2007. Nada feito. O gráfico abaixo mostra o crescimento do valor das açòes da Google (em vermelho), comparado ao desempenho da Yahoo! (4).


A Microsoft, desta vez, foi muito ágil. O principal executivo da Yahoo! Foi informado de que sua empresa seria alvo de uma oferta na véspera, à noite... provavelmente nem dormiu e passou horas ao telefone.

Para se ter uma idéia do tamanho do negócio e de seu significado para as duas empresas, basta comparar o valor oferecido, US$ 44.6 Bilhões, com o faturamento annual da Microsoft... US$ 52 Bilhões... ou com o da Yahoo!, que é de US$ 7 Bilhões... Estamos falando de uma oferta cujo valor é de aproximadamente o faturamento anual da Microsoft e de 8 vezes o da Yahoo!

É claro que não podemos avaliar o impacto desta aquisição com base apenas nestes valores. A expectativa da Microsoft é de “economizar” cerca de US$ 1 Bilhão por ano com a aquisição. Além disso, o potencial de novos negócios aumenta muito.

Epílogo: O que vem por aí?

O que vai acontecer ainda é muito cedo para saber. Antes de mais nada, a aquisição tem que ser aprovada pelo conselho da Yahoo! e pelos órgãos reguladores de mercado norte-americanos. Isso não deve ser problema, mas vai demorar alguns meses. Depois disso, muita incerteza pela frente. Provavelmente teremos que aguardar um ano antes de avaliar se foi ou não um bom movimento.

É natural esperar que outros movimentos acontençam nos próximos meses. Será que a Google vai contra-atacar? O que esperar de outras empresas do setor como a IBM, por exemplo? O mercado continua com bons preços para compradores, principalmente para aqueles que estão com muito dinheiro em caixa, caso da Microsoft, da IBM e da Google.

A Microsoft tem um histórico de batalhas ganhas... Já foi assim com a luta entre o sistema operacional Windows e o IBM OS/2, no início da década de 90 e mais recentemente, pelo domínio dos navegadores de Internet. Ganhou as duas... por onde anda o Netscape? Alguem se lembra dele? E o OS/2?

Os próximos meses prometem fortes emoções...

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(1) Uma "oferta hostil" é uma tentativa de uma empresa de comprar outra, diretamente adquirindo ações dela na bolsa de valores, sem que haja um acordo prévio entre as partes. Depois desta "compra", para que o processo seja efetivamente concluido, ele ainda tem que passar por aprovações de órgãos reguladores do mercado americano. É raro não ser aprovado, muito raro.

(2) Normalmente a disponibilidade de um serviço deste tipo é registrada em um Contrato de Nível de Serviço (de SLA, Service Level Agreement) e pode ou não ser do tipo 24x7 (24 horas por dia, 7 dias por semana).

(3) Não é de admirar que outras empresas também tenham partido para o ataque, como o caso da Oracle, que adquiriu a BEA. E é bem provável que, caso o mercado continue na crise em que está, outras aquisições ainda venham a ocorrer.

(4) As ações da Google somente começaram a ser negociadas em bolsa no dia 19 de agosto de 2004 enquanto as da Yahoo! são comercializadas desde o dia 12 de abril de 1996

3 comentários:

  1. A Microsoft e o Yahoo! irão, na marra, juntar forças para tentar combater um inimigo em comum (Google). Mas essa junção de forças não será nada fácil devido às diferenças culturais entre as empresas. A começar pela diferença de idade: A Microsoft é 20 anos mais velha, o que em termos de "Web-year" é uma eternidade... A Microsoft, que até hoje não conseguiu fazer sua unidade de negócios on-line (MSN)dar lucro, apesar do sucesso do Hotmail (outra aquisição) e o Messenger.

    A MS representa uma cultura corporativa americana típica, do paletó-e-gravata, hierarquias, planejamentos, etc enquanto o Yahoo! é a cultura da calça jeans e da informalidade.

    Se houver uma "debandada geral" de funcionários do Yahoo! para o Goggle (ou outras empresas mais "mudernas"), especialmente daqueles mais talentosos, pode ser que esse movimento da Microsoft se torne inócuo. Isso porque, ao meu ver, no final das contas a MS está adquirindo "pessoas", pois o Yahoo! não tem ativos físicos, só talentos . A audiência que Yahoo! possui se deve às funcionalidades que sua equipe talentosa colocou no ar. Se isso não continuar acontecendo, vai perder usuários (para o Google). Eu já usei busca, emails e grupos no Yahoo! Hoje tenho isso no Google.

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  2. O Netscape, agora, chama-se Mozilla, Firefox Mozilla. E corre rápido, pelo centro da raia, acelerando mais do que o IE consegue fazer. Logo atrás, acelerando de forma nada desprezível, vem o Chrome da Google.

    Para sacudir a discussão, lembro que foram divulgados recentemente os resultados de uma pesquisa que relaciona o uso de navegadores como o QI de seus usuáiros. Nesta pesquisa Opera estaria associado aos de maior QI, Firrefox e Chrome, logo atrás e IE na rabeira, usado por quem é mais acomodado, menos afeito a mudanças.

    Parte dos resultados da pesquisa podem ser encontrados em
    http://forum.esporte.uol.com.br/-serious-estudo-relaciona-browser-a-inteligencia-ie-burros-ffchrome---opera-inteligentes_t_1609261 ou em
    http://www.tecmundo.com.br/pesquisa/12001-pesquisa-diz-que-usuarios-do-ie6-tem-qi-mais-baixo-que-os-dos-outros-navegadores-enquete-.htm

    Se a pesquisa está correta, o IE explorer estaria vivendo de público inercial, com vida curta em sua liderança.

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    1. Obrigado pelo comentário, Alberto! Interessante analisar este post, mais de 4 anos depois de publicado. Muita coisa mudou nesse tempo... Nem se falava tanto em um tal de FB...

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