Quando eu era pequenininho uma Linha Telefônica era considerada um patrimônio, devia ser declarada no Imposto de Renda e, se bem me recordo, tinha um bom valor comercial. Já se passaram dez anos... ok, eu não era tão pequenininho assim a dez anos e tinha ainda uma conta pelos serviços prestados... e hoje uma linha telefônica é um serviço contratado a uma operadora. Um serviço similar a muitos outros prestados por concessionárias, como energia elétrica e gas... ou seja, você paga por aquilo que consome.
A indústria do software funciona assim: você tem uma empresa, por exemplo, e precisa escrever uma carta ou preparar uma demonstração de contas para um novo investimento. Para isso, como você não tem uma máquina de escrever e sim computadores, vai precisar de um Editor de Textos e de um Software para Planilhas. Vai precisar comprar uma licença de uso de cada um deles. Um custo alto, principalmente se você vai usar poucas vezes... ok, você vai usar muitas vezes, mas será que todos na sua empresa também vão usar muitas vezes??? Estamos falando de gastar algo como trezentos ou quatrocentos dólares para cada licença necessária...
A pergunta que surge é “por que não posso pagar somente quando precisar, apenas por aquilo que eu usar?”. Se preciso editar um texto, por que não posso pagar apenas para isso? Se preciso preparar uma planilha, por que preciso comprar um “pacote integrado” e levar para casa um editor de textos, um gerenciador de apresentações, um pequeno banco de dados e, de quebra, o software que preciso para preparar a planilha?
Esta pergunta tem sido feita há pelo menos dez anos e, nos últimos três ou quatro anos começaram a aparecer algumas respostas. Grandes empresas de Tecnologia da Informação investiram pequenas fortunas em P&D buscando caminhos economicamente viáveis para este questionamento. A IBM lançou um novo “tema” (1), o “Information On Demand” ou “eBusiness On Demand” há cerca de quatro anos. Ocupou páginas duplas de jornais de grande circulação nos Estados Unidos buscando se posicionar neste novo cenário, comparando o uso de sofware e sua cobrança ao uso de outros serviços como energia elétrica, por exemplo.
No sempre competitivo mundo de TI, eis que surge uma empresa, a “Salesforce.Com” com uma proposta totalmente nova... “pague por aquilo que você usar”. O “inventor” desta empresa chama-se Marc Benioff que teve esta idéia ainda em 1999 ou seja, no século passado!
Hoje, lidera uma das empresas mais admiradas neste novo mundo de TI. Acredite ou não, a Salesforce.com tem hoje mais de 40.000 clientes em todo o mundo, contando com mais de 1 milhão de usuários. Dentre seus clientes destacam-se, por exemplo, o Citigroup, para quem a Salesforce.com fornece software para 30.000 funcionários, e o Merrill Lynch, para outros 25.000.
A grande sacada deles foi criar um “modelo de negócio” onde o cliente tem a clara percepção de que está efetivamente pagando somente por aquilo que ele usa.
O modelo utilizado por eles é tão bom que, como sempre acontece, já existem várias outras empresas pensando na possibilidade de comprar a Salesforce.com. Entre os principais interessados, estão a SAP e a Oracle... (2). Apenas para se ter uma idéia do valor da empresa, agora em março a Forbes a incluiu na disputada lista "Fastest Growing Tech Companies", que inclui as empresas de tecnologia que mais rapidamente crescem. Ficaram em segundo lugar, perdendo apenas para a Google.
É claro que este novo Modelo de Negócios trás uma série de desafios. Dentre os principais, um efeito interessante... quanto mais clientes, mais infraestrutura eles precisam ter... ou seja, mais computadores, mais linhas telefônicas (opa, olha nós aqui de novo), mais instalações prediais... No modelo tradicional de software, a sua empresa é responsável por comprar o hardware necessário para rodar o software... é você quem tem que garantir qualidade nas linhas telefônicas e em outros componentes de sua infraestrutura.
Neste novo modelo quem tem a obrigação de garantir a “entrega” do serviço é o seu provedor... no caso da Salesforce.com, eles mesmos... E como garantir que eles vão efetivamente entregar aquilo que esperamos? Simples, com um contrato onde são estabelecidos critérios mínimos de qualidade... por exemplo, garantir disponibilidade do sistema pelas 24 horas do dia, 7 dias por semana... Isso é feito através de um contrato de Nível de Serviço.
Também existem questionamentos se este modelo de negócios vai se aplicar a todas as indústrias e necessidades... Um estudo feito em Maio de 2007 e disponível no site CIO.com (3) mostra as áreas onde este modelo está obtendo mais sucesso. O gráfico abaixo deixa claro que as três principais aplicações tem sido em CRM (Gerenciamento do Relacionamento com Clientes), Recursos Humanos e Compras.
Daí voltamos ao nosso caso da Linha de Telefone... Atualmente, os provedores deste Serviço, são obrigados a cumprir com uma série de normas estabelecidas em contrato e fiscalizadas por órgãos reguladores, no caso, a Anatel.
O modelo de negócio onde um determinado software é contratado e pago somente por aquilo que é efetivamente utilizado é conhecido como “Software como Serviço” (SaaS – Software as a Service). É um modelo novo, que ainda tem que amadurecer bastante, mas o espaço que empresas como a Salesforce.com tem conquistado no mercado mostram claramente que é um modelo que veio para ficar.
Afinal, você não se vê, hoje, comprando uma linha telefônica, vê?
(1) Ver post de 9 de março.
(2) http://www.streetinsider.com/Insiders+Blog/Salesforce.com+(CRM)+Is+A+Possible+Takeover+Target+for+SAP+or+Oracle,+SAP+Chairman+Says/3521627.html
(3) http://www.cio.com/article/109706/The_Truth_About_Software_as_a_Service_SaaS_